Two of us


Eu rindo, o Lúcio conferindo

 Nós somos sete irmãos, poderíamos ser mais, porém dois não vingaram. Costumo brincar dizendo que somos sete cores, sete notas musicais, sete dias da semana, sete pecados capitais... Taí um campo minado, sete pecados capitais. Não vou nomear os outros, mas não me importo de ficar com a preguiça, afinal, o ócio pode ser construtivo. O Lúcio costuma me encarnar com isso, às vezes me aborrece, mas como vou querer que um workaholic entenda isso? Aliás, nessa nossa irmandade a tônica é átona, dodecafonismo de 7 notas, embutindo os semitons. Mas funciona, há harmonia, por incrível que pareça.

Porém, o Lúcio sempre me pareceu o mais estranho. Provavelmente vai me contestar(!): quando estudávamos no Colégio do Carmo uma vez o vi conversando com D. Irací (a mãe) quase aos prantos, coisa que nunca havia visto antes. Aquilo me deixou encafifado e fui saber dela o porquê. É que o diretor (prefeito, sei lá o quê) do colégio dera uma repreendida nele. Mas isso era motivo pra que ele ficasse daquele jeito? Quase semanalmente eu era ‘convidado’ à sala do diretor, até pancada nos dedos levava. O diretor mandava a gente unir as pontas dos dedos e sapecava uma baquetada. Doía. Um dia, quando a baqueta já ia de encontro aos meus dedinhos unidos em sacrifício, transformei essa união num cotoco. Covardia dos outros dedos; o maior de todos sofreu uma barbaridade. Havia aprendido a lição da união que faz a força. Então porque o Lúcio reagia daquele jeito a uma simples ‘chamada’. Comecei a perceber que aquele cara não era normal.

Nesses 25 anos tenho acompanhado de perto a luta dele pra fazer o Pessoal. Não concordo com a opção de não colocar anúncio no jornal. Sei que têm pessoas com interesse de ajudar o Lúcio e também de associar sua marca à do Jornal Pessoal. Pra mim, se quiser anunciar anuncia, se discordar de alguma coisa não anuncia mais, pronto. Bastaria por alguns rodapés em algumas páginas e a coisa ficaria mais fácil pro Lúcio. Se é possível ser um jornalista ético, também o é ser um empresário correto. A notícia é um produto e tem que ser vendido.

Vou contar uma coisa que talvez poucos saibam. As charges que saem na capa do Jornal Pessoal são ideias do Lúcio, tenho pouca participação nisso, a não ser a concepção artística. Até gostaria de ter mais porque algumas charges me poupariam menos trabalho, já que idealizar é uma coisa e realizar outra. Já me acostumei a racionar os traços, a síntese traz economia de tempo e como já disse não sou muito chegado ao trabalho. Precisaria ler a matéria de capa, coisa que em geral só faço depois do jornal impresso. Normalmente ele me passa a ideia da charge no sábado e o texto no domingo e avacalha meu fim de semana de quinze em quinze dias, por isso às vezes fico amuado quando dizem que o jornal é feito por uma pessoa só. Na segunda-feira pela manhã vamos à gráfica para o fechamento. Quem já trabalhou em redação de jornal sabe o que é isso. Ele faz a revisão numa cópia e depois faço as correções e os ajustes no micro para liberar à impressão.

De desenho o Lúcio sabe tanto quanto eu sei dos livros que ele lê, por isso acho que Deus é um cara gozador e um grande piadista, pois pra me jogar no mundo tinha tudo fácil, mas achou muito engraçado me fazer cartunista na cidade de Belém, irmão do Lúcio Flávio. Desculpe a rima pobre. Na verdade o Lúcio não é muito simpático com os artistas. Ele e Joseph Goebbels.

Pelo menos o Lúcio não tem um trêzoitão.

Luiz Pinto

PS: A julgar por esse final, ao menos em matéria de artista, Goebbels tinha razão.

Lúcio Flávio Pinto

Os 25 anos do JP

O Jornal Pessoal se parece a um jornal estudantil. É escrito por uma única pessoa. O formato é pequeno, equivalente a uma folha de papel Ofício. Está mais para boletim do que para jornal. Agora tem 16 páginas, depois de ter circulado por grande parte da sua história com 12. Não usa cor, nem foto, exceto em suas seções memorialísticas, que abrigam imagens do passado. Suas ilustrações são desenhos, sob a responsabilidade de Luiz Pinto, irmão do redator solitário. 

Não é pela forma ou pela aparência que o Jornal Pessoal atrai leitores e causa repercussão. Nem pretende se valer de qualquer recurso extra, mesmo porque seus meios materiais são severamente limitados. Continua a apostar na força da palavra e na relevância das ideias, sem firulas ou confeitos eletrônicos.

Desde sua criação, o JP se recusa a aceitar publicidade. Sobrevive da comercialização da sua tiragem, de dois mil exemplares, dos quais 1.600 são vendidos em bancas de revista de Belém do Pará, a mais antiga e importante cidade da Amazônia, com dois milhões de habitantes na sua área metropolitana.

Sem assinaturas e sem contar com vendedores de rua, depende da iniciativa do seu leitor para sobreviver. O leitor precisará ir a uma banca de revista se quiser ler o jornal. O JP se considera uma publicação de texto, em papel impresso, mesmo quando, finalmente, em 2008, depois de pressão intensa dos seus leitores, passou a existir na rede de computadores. Seu site, porém, se adequou à feição de um jornal impresso, que valoriza o conteúdo e dispensa os atrativos de forma. E, infelizmente, está sempre atrasado, invertendo a regra nas relações entre essas mídias,

Por que, diante dessa pobreza franciscana, o Jornal Pessoal já recebeu prêmios na Itália e nos Estados Unidos, foi matéria de destaque na imprensa internacional, é citado como referência de estudos acadêmicos e apontado como fonte necessária de consulta? A razão não deve ser buscada em eventuais qualidades pessoais do seu único redator, que não o distinguem de milhares de outros profissionais da imprensa, mas no tema ao qual ele se dedica há mais de 40 anos: a Amazônia.

No curso desta já longa trajetória, de 46 anos de exercício contínuo e ininterrupto do jornalismo, em duas décadas dela contando com o suporte de um órgão da grande imprensa nacional (O Estado de S. Paulo) e de outro da imprensa regional (O Liberal), Lúcio pode acumular informações e experiências que lhe permitiram estabelecer um ponto de observação singular para seu pequeno jornal.

Graças a essa característica, o JP alcançou durabilidade incomum para os padrões do jornalismo alternativo, como o que pratica. Ele passou a ter sua marca registrada, de rápida identificação. Essa marca possui alguns componentes: fidelidade aos fatos, compromisso com a verdade, empenho por causas em favor da Amazônia e destemor na divulgação das informações que apura e das avaliações que faz.

É fácil não concordar com o que pensa e diz o jornal. Para convencê-lo, contudo, o interlocutor precisa demonstrar a sua própria razão. A facilidade decorre da atitude natural do jornal diante dos seus erros: admite-os se eles lhe são demonstrados e incorpora a verdade contraditada, que passa a ser também sua. Não teme o confronto. Pelo contrário: estimula a polêmica, através de uma seção de cartas que respeita religiosamente a íntegra das mensagens enviadas, mesmo que elas possam conter agressões abertas ao editor do jornal, conforme já aconteceu não raras vezes.